Ode Marítima
Sózinho, no cais deserto, a esta manhã de verão
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido
Olho e contenta-me ver
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira
Toda a vida marítima! Tudo na vida marítima!
Insinua-se no meu sangue toda essa sedução fina
E eu cismo indeterminadamente as viagens
Ah, as linhas das costas distantes, achatadas pelo horizonte!
Ah, os cabos, as ilhas, as praias areentas!
As solidões marítimas, como certos momentos no Pacífico
E o mundo e o sabor das coisas tornam-se um deserto dentro de nós!
Todos os mares, todos os estreitos, todas as baías, todos os golfos,
Queria apertá-los ao peito, senti-los bem e morrer!
Passa, lento vapor, passa e não fiques...
Passa de mim, passa da minha vista
Vai-te de dentro do meu coração
Perde-te no Longe, no Longe, bruma de Deus
Perde-te, segue o teu destino e deixa-me...
Eu quem sou para que chore e interrogue?
Eu quem sou para que te fale e te ame?
Eu quem sou para que me perturbe ver-te?
Larga do cais, cresce o sol, ergue-se ouro
Luzem os telhados dos edifícios do cais
Todo o lado de cá da cidade brilha...
Parte, deixa-me, torna-te
Primeiro o navio a meio do rio, destacado e nítido
Depois o navio a caminho da barra, pequeno e preto
Depois ponto vago no horizonte (ó minha angustia!)
Ponto cada vez mais vago no horizonte…
Nada depois, e só eu e a minha tristeza
E a grande cidade agora cheia de sol
E a hora real e nua como um cais já sem navios
E o giro lento do guindaste que como um compasso que gira
Traça um semicírculo de não sei que emoção
No silencio comovido da minha alma
Porque tudo na vida pode ser um filme, tudo na vida pode ser Como no Cinema
Como no Cinema
Ode Marítima
Pela primeira vez disponível na Internet:
DOWNLOAD
Vozes:
Aníbal Cabrita
Maria Germana Tânger
João Grosso
Textos:
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
Música:
Gavin Bryars
Carl Orff
Enya
This Mortal Coil
Sétima Legião
Colaboração especial:
Virgínia Marques
Produção; Montagem (em directo) e Realização: Francisco Mateus
Tempo total: 40:25 min
O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos
Desvendadas a noite e a cerração
As tormentas passadas e o mistério
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
Esplêndida sobre as naus da iniciação
Linha severa da longínqua costa
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores
E, no desembarcar, há aves, flores
Onde era só, de longe a abstracta linha
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte
Os beijos merecidos da Verdade
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Próxima emissão: «África»
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