01 dezembro 2006

Alta Montanha

Nesta emissão, palavras de João Garcia: o primeiro português a chegar ao cume do Everest, a mais alta montanha do mundo, com 8.858 metros de altitude, no dia 18 de Maio de 1999.














“A montanha é como o mar… somos muito pequeninos lá”












Alta é a montanha que rompe os céus
Cumes de rocha firme e neves eternas

Brancos intensos e ventos fortes

Alta é a montanha
Bicos que tocam os céus















Alta e fria é a montanha
Esta terra não pertence a ninguém

Não pertence a nenhum país
A montanha só pertence a ela própria
















Porque tudo na vida pode ser um filme, tudo na vida pode ser Como no Cinema

Pela primeira vez disponível na Internet:
DOWNLOAD

Como no Cinema
Alta Montanha

Depoimentos:
João Garcia

Vozes:
Aníbal Cabrita (escalador)
Ana Bravo (montanha)

Música:
(imagens)
Orquestra Radiofónica da Baviera
Coro da Escola Vocal de Estugarda
Stuart Dempster
Dead Can Dance
Gyorgy Ligeti
Beethoven
Wagner
Tchaikovsky

Assistência técnica:
Paulo Canto e Castro
João Félix
Pedro Picoto

Colaboração:
Hugo Dolores

Textos, Produção, Montagem (em directo) e Realização:
Francisco Mateus

Tempo total: 33:58 min

Portugal, em nove séculos de história, produziu muitos heróis. O primeiro de todos foi o fundador da nação, D. Afonso Henriques. Mas esta vetusta pátria sempre maltratou os seus heróis. Talvez esse destino injustiçado a figuras ímpares se deva exactamente ao facto de o primeiro herói português se ter tornado herói por se rebelar contra a progenitora: o que é que se poderia esperar de um país que começa com o filho a bater na mãe? E o que é de facto um herói? Os autênticos, são aqueles que verdadeiramente nunca o quiseram ser. Parece um paradoxo e é mesmo paradoxal, mas os heróis autênticos são pessoas apanhadas na enlaça histórico temporal de um momento imprevisto. Os heróis autênticos são os anti-heróis. João Garcia é uma dessas pessoas únicas, que atingem uma aura de heroicidade que não procuraram, que em muitos casos, nem desejaram. Garcia, o primeiro português a atingir o ponto mais alto do planeta terra, não é tratado como um herói. Por ventura esse tratamento coincide com a sua vontade, mas outra das características indeléveis de um herói autêntico é que são-no mesmo que não queiram. É uma condição que está acima da sua vontade pessoal. Não se auto-proclamam e, como é o caso, não são proclamados. São os feitos que obtiveram, é a sua acção num determinado momento na história, que faz deles heróis. E quanto mais tempo passar sobre eles, mais esses feitos ganham dimensão. Principalmente após a morte deles. Pelo menos é assim em Portugal. No fundo, é a própria história que os proclama. Garcia anda por aí, não deixou de escalar montanhas importantes, mais difíceis, mais extraordinárias que o famigerado Evereste e, no entanto, continua a ser um anti-herói, isto é, um herói repleto de autenticidade. Continua fiel aos seus princípios, fiel ao que sempre disse e declarou publicamente.
Neste programa sobre a Alta Montanha, João Garcia conta em pedaços - com o saber de experiência feito - o que é subir uma alta montanha, o que é estar lá. Foi das primeiras declarações públicas para rádio que João Garcia fez após a glória e tragédia da expedição ao Evereste em 1999. Relatou em geral o que foi subir à mais alta montanha do mundo e não teve problemas em abordar a desastrosa descida que tirou a vida ao seu companheiro de escalada, o belga Pascal Debrouwer.
A subida ao topo do Evereste: João Garcia não o fez por Portugal, ou em nome de um qualquer desígnio nacional. Não. Garcia fê-lo por ele próprio, para se superar, mas na altura mais elevada do mundo, não se esqueceu de desenrolar a bandeira portuguesa. Não é uma coisa para todos nem para qualquer um. Um alpinista desta envergadura treina duramente todos os dias. Tem a preparação de um atleta de altíssima competição, mas não goza nem do estatuto nem dos holofotes consignados a outros feitos físicos. Nesta emissão, sente-se o frio da neve e do gelo, sabe-se o que sente o montanhista e ouve-se a voz da montanha. Tal como diz Garcia, a montanha "tem uma palavra a dizer". A montanha tem sempre a última palavra! "Se estiver mau tempo não temos hipótese".
Para transmitir a "voz" da montanha escolhi a voz de Ana Bravo. Foi a única participação dela em toda a série de «Como no Cinema» e sei que dificilmente encontraria uma voz tão eficaz que transmitisse a frieza e a austeridade próprias de um cenário tão radical como este. As "palavras" ásperas da montanha são imperiais e impiedosas. Afinal, o Evereste existe há cerca de sessenta milhões de anos... o que é um homem lá? Aníbal Cabrita, meu "actor" fetiche da série «Como no Cinema», é a voz do alpinista solitário vagueando nos picos rochosos de neves eternas. Ali, o relógio é um objecto sem razão de ser. Ali o tempo não existe. É um cenário inalterado há milhões de anos. Nós humanos, somos seres históricos, e ali saímos por um tempo da história, à qual qualquer montanhista quer regressar. Uma expedição de sucesso só o é se incluir um regresso "à terra" são e salvo. "O cume é um bónus", diz João Garcia.
Anos depois desta conversa, João Garcia transpôs para livro («A Mais Alta Solidão») a experiência da sua conquista do Evereste e relata o que é escalar nos Himalaias. Trata-se de uma narrativa factual e impressionante. Imperdível é também o prefácio de Miguel Sousa Tavares. É uma leitura que aconselho vivamente acrescentando que, tal como a «Alta Montanha», a leitura deste livro também não é para todos.
Creio que, se um dia o número de portugueses a repetir este feito for mais alargado, e quando João Garcia for idoso ou já mesmo desaparecido, se dê a relevância devida ao que ele conseguiu em 1999. Actualmente existe em Portugal uma outra pessoa capaz de lá chegar ao tecto do mundo, e é uma mulher: Daniela Teixeira. Tem 31 anos e foi a primeira mulher portuguesa a atingir mais de 8.000 metros de altitude, em Outubro deste ano. É um feito, não há dúvida. Esta semana, num encontro meramente profissional na TSF, conheci-a pessoalmente e pude com ela trocar algumas impressões sobre montanhismo. Foi entrevistada em directo e Daniela desvendou algumas das dificuldades inerentes às expedições de alta montanha, entre elas a escassez de apoios, os elevados custos por pessoa, os óbices profissionais, etc. Mas apesar de todas as contrariedades, Daniela Teixeira continua a treinar três horas por dia, afincadamente. As férias são todas para as expedições, tempo esse insuficiente para uma escalada nos Himalaias. Talvez a próxima pessoa de nacionalidade portuguesa a pisar o cume do Evereste seja ela. Daniela não desdenha a vontade de lá chegar, mas há muitas outras montanhas que também quer alcançar. Depreendi da curta conversa que com ela tive que o mito Evereste só é assim tão importante para quem não é um verdadeiro montanhista. Então para quê subi-lo? A resposta foi dada há muitos anos por um dos escaladores pioneiros dos Himalaias, o britânico George Leigh Mallory: “Porque está lá!”.




















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Próxima emissão: «O Amor»